Sistema regional.
A par das belezas naturais, uma outra beleza não menos surpreendente se encontra na Madeira, causando admiração de indígenas e estranhos:a obra grandiosa do sistema de irrigação.É um sistema primitivo, mas com características de originalidade própria e distinto dos sistemas congéneres, antigos e modernos.Consiste numa vasta rede de canais rudimentares que cortam a Madeira em todas as direções e vão da serra ao mar fertilizando os terrenos aráveis de todas as zonas. Ao longo das montanhas, coletando espreguiçados encosta abaixo como serpentes a brilhar o dorso de prata à luz do sol .O movimento que os anima,---correndo e cantando por toda a parte, dá vida, alegria e frescura à paisagem.Por montes,por vales, através dos campos, entre casais e à beira de caminhos encontram-se sempre os canais murmure jantes na sua eterna canção de amor à gleba. São dum pitoresco muito original estes veios de água listrado quais fios de prata as serras e as povoações. Esta água , que assim se reparte por toda a terra arável e por todos os lavradores, como património da nação e benefício de direito comum, é, por<inspiração humanitária> do Rei de origem ou madre natural e humana , porque a terra a dá e a generosidade de D João I a distribuiu equitativamente pelos <moradores e novos povoadores da ilha da (Madeira)em razão de a irem povoar e deixarem suas terras e pátrias.E para firmeza de tudo... lhes fazemos esta mercê para sempre como de cousa nossa própria em que não podem ser ofendidos nossos sucessores>
isto é uma carta regia de D João II dada a 7 de março de 1493 para confirmação da mercê de águas e outros produtos naturais.
LEVADAS
Chama o povo levadas aos aquedutos regionais de água de irrigação porque assim as designou, em 1493,D João II , em Carta Régia de <confirmação & afirmando da merecer das águas >sobre que bisavô , D. João I , assentara a legislação agrícola da Madeira,antepondo ,no dizer de Álvaro Rodrigues de Azevedo,< o bem de todos ao egoísmo de cada um>. Conquanto estas sábias providências não fossem adoptadas, por desnecessárias no decorrer do primeiro século do desbravamento e cultura da terra madeirense,tornaram-se todavia imprescindíveis com o desenvolvimento da agricultura e o aumento da população a partir do século XVI < De então, datam nesta ilha as levadas como instituição pública e as notáveis provisões pelas quais D João II desenvolveu o pensamento de D João I,e veio espargir a amenidade e a fecundação nos campos , as flores e o pão,a alegria e a abundância nos povoados e nas choupanas, a esperança e o conforto nos abatidos espíritos do morgado e do vilão, quando as crises agrícolas os vinha ameaçar com a miséria. As levadas são valas ou ductos descobertos, estreitos e extensos, abertos no solo e construídos de pedra e cal, chegando atingir um metro de largura, e profundidade de 30 a 80 cm.

Trabalho difícil de fazer, esta era antiga levada do Ribeiro Frio. Há levadas que tem algumas dezenas de quilómetros de extensão.Na generalidade partem de pontos elevados e centrais da ilha e encabeçam nas mais caudalosas ribeiras,alimentando-se dos abundantes mananciais que correm abandonados nos leitos pedregosos das mesmas.Quase todas as levadas têm a sua origem no Norte da ilha, porque a água corre ali todo o ano em toda a parte , enquanto que no sul falta ou diminui no verão.Costeiam elevadas e despinlhadeiros serras,atravessam aprumadas ravinas, transpõem abismos, perfuram montes num perigoso e titânico trabalho de longos anos e com dispendido de avultadíssimos capitais e até de bastantes vidas.Quem de perto conhecer o inverosímil acidentado do terreno da Madeira,o capricho relevo das suas lombas e encostas,as suas elevadas montanhas a par de profundos vales e despenhadeiros, avaliará facilmente o colossal esforço que representa essa gigantesca e utilíssima obra que, sobremaneira, honra o país que a empreendeu e executo>> Mas era forçoso empreende-la para aproveitar as condições naturais do clima e do solo, para fazer chegar a água aos terrenos da primeira e segunda zona, os mais desprovidos de nascentes e os mais férteis.<<Tal é a instituição admirável e profícua das levadas, factor primacial da agricultura e, portanto, de todas as condições económicas e financeiras da ilha da Madeira>>, criada inicialmente para fecundar as culturas ricas da cana e da vinha.
Foto de 1959 original, e nela própria indica o risco da levada.

A construção das levadas data das primeiras explorações agrícolas e deve-se à iniciativa de grandes proprietários portugueses e estrangeiros e, muitas vezes,do povo auxiliado pelo Estado durante um período de quatro séculos até a primeira década do século XIX; intervém depois directamente o Estado a partir de 1813, perante a impossibilidade dos particulares na construção de aquedutos maiores e necessários à área agrícola a desenvolver -se cada ano mais e mais.O que foi o esforço dos madeirenses e o valor das obras com que enriqueceram a terra , nesses séculos, dito pelo Eng.° M. R. Amaro da Costa por estas autorizadas palavras: <<O conjunto formado pela se obras de irrigação, adaptação ao regadio e instituição dos mais variados processos de dar água à terra, constituído um capítulo da maior grandeza e generalidades no campo da hidráulica agrícola; nenhum o iguala certamente na terra portuguesa e poucos se lhe comparam na estranha,no aspecto especial que o caracteriza>>No decorrer de cinco séculos perfuraram -se 3 300 m de túneis com 4 a 800m de comprimento;rasgaram-se canais com uma extensão total superior a 1.000 km subdivididos por mais de 200 ramais e por lanços de milhares de milhar que se chega<<quase a duvidar da sua possibilidade de existência em tão minguado espaço>>. Aproveitaram -se cerca de 3.000 litros por irrigação aproximadamente 15.000ha.Foram construídas exclusivamente à força de braços, empregando -se nesses trabalhos instrumentos simples e primitivos como picões, barras, alviões marrões e enxadas.Era tão rudimentar o traçado e nivelamento destes canais que se chegava por vezes a estes insucessos:a mais de mil metros de altitude, traçaram -se outrora duas levadas no Curral das Freiras, destinadas a conduzirem água das faldas do Pico das torres, com nascente no Ribeiro do Gato, para irrigação do Estreito e Câmara de lobos.A segunda devia corrigir o erro da primeira, mas inutilizou -se também por sair acima da cota da nascente.Empreendera esta obra uma mulher castelhana ou moura, segundo divergência de tradição.Ainda se divisam nas rochas altaneiras do Curral das Freiras vestígios destes aquedutos que se perpetuaram nesta lenda: Não serviram a conduzir água as levadas porque a castelhana não deu graças a Deus de auxílio à sua empresa. Séculos depois o povo, seguindo a evolução de contos e lendas,parafraseou a decepção da castelhana, por tanto trabalho e capital gastos, acrescentando este retornelo de lamentação:
<<Levada, que aqui me tens,
Custaste um saco de dinheiro
E um pico de vinténs!>>
Entre os primeiros obreiros da abertura destes canais contam-se escravos negros e mouros, empregando -se uns em traçados e outros a perfurar a rocha, britar a pedra e arrumá-la para os construir. Algumas levadas são cortadas a meia rocha sobre o abismos de centenas de metros de profundidade para cujos trabalhos os operários eram suspensos de cordas e cestos;outras atravessam montanhas através de túneis com 400 a 916 m de comprimento, e vêm de norte a sul percorrendo extensões de cerca de H100 quilómetros .Estes túneis, embora pouco valham em relação às invenções da engenharia moderna, encarecem todavia a obra da nossa irrigação pelo processo simples e antiquado como foram feitos.De todas as levadas,a primeira construída na Madeira, na capitania de Zarco, foi a levada de Santa Luzia, antigamente levada do Baltazar.Na capitania de Tristão,a levada mais antiga,de mais difícil e custosa engenharia, por vir de tão longe, numa extensão de cinco léguas, atravessar serras e funduras e ser preciso<<se furarem dois picos de pedra rija>>, foi a de Rafael Caetano, genovês,<< o primeiro que começou a tirar esta água,e depois El-rei a mandou levar ao cabo>>para irrigar canaviais de açúcar na vila de Machico hoje cidade ,e no Caniçal, mas já em 1590 estava sem uso>>pelo muito custo que fazia>>. A mais importante pela sua obra,reveladora da tenacidade e ousadia dos antigos colonos, é a do Rabaçal, começada a construir em 1836, de águas canalizadas pelo Governador civil Luís Mousinho de Albuquerque, cujos trabalhos se interromperam alguns anos e prosseguiram em 1849 por vigorosos esforços doutro governador José silvestre Ribeiro em ordem à sua conclusão com um subsídio de seis contos de reis na altura insulanos,cada ano. Desta gigantesca empresa escreveu uma testemunha insuspeita, o inglês Dr . Macaulay:<<grande obra, que faria honra a qualquer século e a qualquer nação>> Esta levada recebe águas, na orfigem da Ribeira da Janela,dum ducto aberto a 70 metros acima do solo, numa rochada escarpada , de mais de mil pés de altura, por cima do Risco. Estes arrojados empreendimentos transpuseram fronteiras com extraordinária fama e honra para os anónimos, incultos e primitivos colonizadores madeirenses, caboqueiros de tantas e tão maravilhosas obras hidráulicas quedo fertelizarm terras virgens e deram à Madeira a supremacia do comércio de açúcar e vinho no mundo.O próprio Afonso de Albuquerque,o Terribil Vice- Rei da Índia, por conhecimento das qualidades de trabalho, audácia e persistência dos trabalhadores insulanos, deliberara não executar o plano da invasão do Egito, para desvio dos afluentes do curso do Nilo,sem o auxílio dos<<caboqueiros da Madeira>>Não realizou Albuquerque o seu plano da invasão, mas não se esqueceu de pôr à prova e treinou os madeirenses construtores de aquedutos. Escreveu mais duas vezes ao Rei D Manuel I suplicando que mandasse ir<<para a Abissínia algumas centenas de camponeses da Madeira que eram reputados os mais perseverantes trabalhadores dessa época para o corte das serras, costumados, pela natureza do terreno da ilha,a arrasarem montanhas e a aplanarem vales>>. A grandeza das levadas e a dificuldade de executá-las julgam-se bem pela descrição feita, em 1950,por Gaspar Frutuoso,da levada dos socorridos, construída para mover o engenhopo de açúcar de Luís de Noronha em Câmara de Lobos:<<...do lugar donde a começaram a tirar até donde se começam a regar os canaviais há bem quatro léguas, por se tirar de tão grande fundura da ribeira em voltas, que para chegar acima à superfície da terra e começar a caminhar atravessando lombos,fazendas e grandes rochedos por cima pela terra por onde vai esta levada, tem de alto mais de seiscentas braças,da qual altura, que é muito íngreme,se tirava a água em cale de pau em voltas, até se por na terra feita,e sem falta custou chegar pô-la em tal lugar passante de vinte mil cruzados nessa altura,fora a muito mais que fez de custo.
Levada dali quatro léguas, além de muitas mortes de homens que trabalhavam nela em cestos amarrados com cordas penduradas pela rocha, como quem apanha urzela; porque é tão alcantilada e íngreme as rochas em muitas partes que não se faziam, nem se podia fazer de outra maneira estâncias para assentar as cales sem passar por esses perigos.Tinha duzentos e oitenta laços por onde passava a água que postos enfiados hum dia do outro tinham um quarto de légua de comprimento:era de tabuado til, que pela maior parte tinha cada tábua vinte palmos de comprimento e dois e meio de largo;e depois assentadas estas cales na rocha, faziam o caminho por dentro delas os levadeiros que continuamente tinham cuidado de as remendar e consertar e fazer outras coisas necessárias à levada, pelo que tinham bom ordenado por terem um trabalho de grande responsabilidade e perigoso.
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